julho 30, 2005

4. Era um Escritor Famoso e Helena, de Joaninha




Um escritor famoso é um ser humano como qualquer outro. Vive paredes-meias com qualquer outro ser e tem as suas emoções, frustrações, depressões, ansiedades e no seu dia a dia expressa-se como qualquer um, por isso e por razões de burocracias, também próprias dos humanos, voltei à terra natal, depois de umas décadas de ausência. Era necessário fazer umas remodelações na casa que fora de meus pais e onde passei a minha vida desde que nasci, até à primeira fase da adolescência. Depois fui para a cidade para continuar a estudar, deixando um caixote cheio de recordações, a quem via partir “o menino simpático”, como era conhecido lá na rua.

Ao chegar, era inevitável que percorresse as ruas que sempre aconchegaram a garoto que fui. Era imprescindível que calcorreasse essas ruas, falando com cada pedra da calçada e sobretudo, trocando palavras, ou melhor, formulando uma perguntitas, que me martelavam a ideia.

Um sem número de episódios foram marcando esta vida de quem faz vida escrevendo. Alguns do episódios já gravados em alguns livros que foram sendo publicados depois do meu “boom” literário, outros, ainda em folhas soltas e numeradas vão-se mantendo nas prateleiras da estante, ao lado da mesa de trabalho.

Alguns nomes foram adoptados (pseudónimos, heterónimos, alcunhas, enfim…), para relatar histórias que foram sendo capítulos de entre as décadas desta vida que já vai longa desde que deixei de calcorrear as ruas da minha terra, ainda tão criança… Histórias umas vezes apenas histórias, outras com misturas de tragédias, como fora a vivida com Mariazinha…

Passei pelo parque. Agora muito melhorado em relação ao tempo que lá baloiçava ao lado de Helena, numa cadência de encantamento e inocência, que se foi perdendo década a década…

Um ventinho ameno soprava ao meio da manhã e o baloiço oscilava, como naquele tempo… uma vontade enorme de me sentar naquele baloiço, apenas foi reprimida pelo meu actual tamanho, mas oscilei com ele, imaginando-me ainda tão pequeno…

Helena! Tantas luas se escoaram pelo mar dentro, enquanto as ondas iam e vinham espreguiçar-se na praia… A distância que nos separava não era muita, mas tínhamos toda uma vida a distanciar-nos…

Na nossa aldeia apenas podíamos chegar aos seis primeiros anos de escolaridade, por isso, antes de fazer os treze anos segui para a cidade, para casa de um tio padre, que foi controlando o que eu ia estudando, mudando de ano até ingressar na Universidade, na Faculdade de Sociologia, que me proporcionou o curso dos meus sonhos, para poder viver ensinando e escrevendo. Escrevendo sobre a vida e os que a vão vivendo.

Mas olhando em volta, confiro os recantos conhecidos e vejo que continuam a sobreviver na ponta sul do parque, as duas únicas árvores do tempo em que eu e a Helena estávamos na mesma escola e que nos deram guarida quando sujei tudo de leite, depois daquele pontapé no pacote que não estava vazio… Ao lado, ficava aquele baloiço que nos deixou baloiçar, horas a fio, entre conversas angelicais, mas carregadas de profundo significado.

Helena! Onde estás Helena? Como pude deixar-te tão triste quando parti… e quando quis saber de ti, tarde demais! Partiras para França, para os teus estudos de pintura.

Hoje, quero que cada pedra da calçada me diga quantas vezes por aqui passaste, quantas vezes voltaste. Esqueceste-me? Juro que entre tantas controvérsias nunca me saíste do pensamento, mas sempre se criaram barreiras e fui adiando o querer voltar e estar contigo...

Helena, vou gritar ante estas duas árvores, que nos conheceram enquanto crianças, para que sejam testemunhas do tanto que sempre te amei. Amo-te! e amar-te-ei para o resto da minha vida.

Voltei a sentar-me no banco, que já não era o tosco tronco que fazia de assento, mas agora, um verdadeiro banco de jardim, e deixei que uma lágrimas de saudade bailassem e escorregassem, cara abaixo, enquanto ia murmurando o nome que continuava a ser a inspiração da minha vida…Helena…Helena…

Joaninha