julho 20, 2005

E outros 4 blogs por onde o Escritor Famoso passou


Todos os dias se sentava na mesma mesa do café, começando com o ritual costumeiro.
Tirava com cuidado da pasta umas folhas brancas A4, colocando-as ao canto esquerdo da mesa. Em seguida retirava do porta lápis o seu "Viarco" nº 2 (sim, escrevia sempre a lápis) e a inseparável borracha, colocando-os, lado a lado, na parte direita.
A parte central da mesa estava sempre livre.
Era chegada a altura do empregado trazer a bica. Sacudia apenas o pacote de açúcar, guardando-o no bolso, mexendo o café sempre no sentido dos ponteiros do relógio.
Sorvia-o olhando quem estava, pondo a chávena, já vazia, no extremo central da mesa.
Retirava então os óculos. Pegava numa das folhas A4 centrando-a um pouco em diagonal, compondo-se bem na cadeira de verga.
Com o lápis na mão esquerda, (era esquerdino sabiam?) datava sempre o texto ao cimo à direita. Pousava de novo o lápis, segurava o queixo na mão com o cotovelo apoiado na mesa, parecendo buscar inspiração. Buscava-a até que se levantava e reunia todo o material na pasta negra já roçada.
Todos os dias o mesmo ritual era repetido exaustivamente, como se de um maquinismo de precisão se tratasse.
Apenas a data era aposta na brancura da A4...
Um dia um novato, que por lá aparecia, dirigiu-se-lhe perguntando:
- Mas afinal sobre que escreve o senhor?
O homem olhou-o incrédulo e com uma candura desarmante disse:
- Escrevo sobre o Tempo...!

mfc



(XVI)
Blue Velvet. Inspirado!

Título: E raid? Custa apenas dois euros...

Era um escritor famoso. Pronto, escritor, escritor famoso, é como quem diz. Era um gajo famoso, o chamado socialite, a celebridade que conseguia alinhavar umas linhas entre o chá das quatro e a ida ao ginásio.
Ser um bom escritor sempre tinha sido o seu sonho, a sua obsessão. Queria, um dia, ser reconhecido como um dos Grandes, um dos Bons, mas por mais que tentasse nunca conseguia. Por vezes até prescindia do seu solário, das suas idas às capitais mundiais da moda, dos seus jantares de gala, das suas idas à discoteca. Tudo porque sentia aquela inspiração repentina que sempre ouviu dizer que dava aos iluminados. E escrevia, escrevia. E riscava, riscava. E rasgava, rasgava.
Os livros, esses, vendiam bem, bastante bem até. Bem melhor que parte dos consagrados da nossa praça, mas para sua infelicidade sabia o porquê de tanto sucesso.
Preferia viver na estupidez a ser confrontado com tão terrível realidade. À noite quando ia para a cama, chorava. Baixinho para ninguém o ouvir, mas as paredes sempre tiveram ouvidos.
O sucesso das vendas explodiu, implodindo na mesma proporcionalidade mas com um factor multiplicativo de 20 a sua agonia e a sua angustia. As suas aventuras literárias tinham que acabar de uma vez por todas.
No dia seguinte acordou e desceu para o jardim para tomar o pequeno-almoço. O tempo custava a passar. Passados cinco minutos, desceu o filho. Deu-lhe um beijo e sentou-se à sua direita. O escriva olho-o com ternura, puxou a mão atrás, deu-lhe um estalo e começou a chrorar:
- Filho, não te levantes mais durante a noite para melhorares os textos do pai. Não entendes que sou um bluff.
- Mas Pai... Só queria ajudar... – retorquiu o adolescente com a cara em lágrimas.E assim foi, que o escritor famoso deixou de ser escritor e continuou a ser famoso. Isto é, deixou de ser escritor é como quem diz. Escreve de quando em vez uns artigos para os metrossexuais acerca do que está “trendy” no mundo civilizado. Ele bem tentou parar, mas o bichinho, esse, nunca o consegui matar.

Transpose



(XV) O escritor famoso passou pelo Bye Blog mas não foi para um adeus...


As pessoas sempre achavam que lá por ser reconhecido teria uma maior possibilidade de saber se o que eles escreviam teria algum valor para quem lê.
Respondia-lhes não muito obrigado porque nada mais poderia fazer… escrevia não porque queria ser um “escritor famoso”, a fama de nada lhe servia quando tinha tantas palavras dentro dele para deitar para fora.
Escrevia por puro egoísmo… despejava todos os sentimentos que encontrava no recanto do seu cérebro, do seu peito, da sua alma até não ter mais páginas onde eles pudessem ser depositados.
Não lhe interessava o que os outros escreviam porque também não lhe interessava o que ele escrevia. Nunca relia o que escrevia, simplesmente já estava lá, na folha… e supostamente longe dele. Escrevia porque dizer não conseguia, dizer não chegava, precisa de mais!... Precisava de deixar o que o assoberbava numa folha de papel para lá permanecer e não o incomodar mais.
O seu primeiro plano era queimar tudo depois de escrever, como forma de catarse, mas certa altura alguém muito próximo descobriu as suas páginas plenas de si e mandou-as para um editor.
A partir daí as suas palavras não mais tiveram descanso, passaram de mão em mão, de boca em boca, encontrando-se com os assoberbamentos que tanta gente encerra dentro de si, fazendo com que essas pessoas pudessem também ter algum tipo de catarse junto com a dele.

Não, muito obrigado! Não era por desprezo, não era por não o saber fazer… era apenas por não ter espaço para mais…

Xinha



(XIV) Se houvesse dúvidas sobre a "unicidade" do escritor famoso, elas deixavam de fazer sentido, depois desta experiência do André. E não são Devaneios sem sentido...

Entrou num bar...
Sem clientes, o bar silencioso ainda o deprimiu mais...
Pediu um Whisky...
Qualquer um...
Depois outro...
Outro...
Outro...
Ainda outro...
-Amigo, acho que já teve a sua conta por hoje...
-Sabe com quem é que está a falar? Sou um escritor famoso!
Indicou-lhe a saída...
Atirou uma nota de 20 para cima do balcão e saiu a cambalear...
Não lhe saía da ideia a conversa com Maria Helena...
Nunca lhe custara tanto a recusar ler o trabalho de alguém...
Porquê?

André Barbosa