40. Liberdade, por Sísifo
Em tudo há um lado de dentro e um lado de fora.
O lado de dentro é o lugar onde eu estou.
O meu lado é o lado de dentro.
Entre o lado onde eu estou e o outro lado, o lado de fora,
há, ou poderia haver, uma porta e uma janela.
Quando estou à porta ou à janela,
a olhar o lado de fora,
ou simplesmente a pensar o lado de dentro,
tento que o meu lado, o meu lugar,
seja um lado onde estou bem e onde me sinto eu.
Mas não posso evitar pensar
que estando eu do lado de dentro
poderia não ter nenhuma porta,
ou nenhuma janela,
que me permitisse olhar para o outro lado,
mesmo quando estivesse a pensar o lado de dentro.
E, sendo assim,
arrisco pensar que fora do meu lugar,
afastado de mim pela espessura mínima da opacidade,
possam estar outros lados de fora que me são desconhecidos.
Quereria isso dizer,
que fora do meu lado de dentro
poderiam existir lugares de fora,
de dimensão assinalável,
que eu não poderia observar da minha elementar janela inexistente.
Mas o meu entendimento é assim
e compraz-se a criar ausências onde elas não se manifestam.
Foi assim que um dia fiquei absurdamente perplexo
por não saber se estava ou não preso no meu lugar de dentro.
Como poderia eu ousar,
um voo no lado de fora,
sem me ferir,
sem perturbar o horizonte,
sem abandonar o conhecido conforto
que tinha paulatinamente resguardado?
Não ousei.
Fiquei para sempre aqui deste lado,
preocupado em que não se percebesse,
do lado de fora,
que o prisioneiro era eu.
Sísifo
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