52. Metapoema óbvio, por Prólogo
Ontem à tarde era para ser verdade o teu rosto.
Estava escrito assim no desejo e eu acreditei.
Houve ainda um gesto intenso, um impulso, o susto de um momento.
Ligeiro tom da inocência que desarticula o tempo.
Não é justo que haja o óbvio num poema.
E ainda menos a evidência.
Há-de haver emoção, ambiguidade, ironia e desdém.
Mas não há-de ser óbvio nem evidente.
Sabias então mais do que dizias.
Ou sabias mas não sabias que sabias.
Caía do teu hábito a ilusão sintomática do não ser.
E o olhar estava ausente como o fogo.
Num poema uma lua nunca é a lua.
O tigre é sempre outra coisa que não um tigre.
O que se mostra é o que se quer ocultar.
O que se ouve é apenas o desvio da voz.
Atrás do gesto e da franqueza
Da regular imensidão das possibilidades
Deixaste uma sombra, uma dor e um voo.
Uma mentira deformada pela vontade.
O poema nasce no interior das meninges
Espremidas pela angústia, pelo medo, pela emoção.
Nasce contra tudo e contra todos
À espera de conseguir dizer o indizível.
Não cheguei a saber o que querias.
Tal como não percebi o meu desejo.
O estalo inglório dos meus sentidos
Perdeu-se em vagarosos movimentos de recuo.
Cada verso que se expõe à voz do mundo
Perde o dono, a identidade, o ser e a intenção.
Passa a ser uma coisa nova em cada boca.
E se assim não for não é bem, nem é verdade.
Não sei que vi em ti que me domou.
E por isso me fiz macabro tigre da indiferença.
Subi a mais alta plataforma das certezas.
À procura de uma trágica lua, solta e inundada.
Envolto em panos que revelam escondendo,
Oculto recheado de evidências,
Mentira quase certa na intenção,
Prazo acabado do saber e do sonho,
Momento interminável de prazer doloroso,
Sombra luminosa de destino ocasional,
Tudo é óbvio menos tu.
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