abril 06, 2006

11. O homem que via muitos filmes, por Didas


Abril, dia 9, ano: 3056.
Em frente ao complexo painel de comandos da nave, o Capitão Ant, finalmente a sós consigo mesmo, reflectia sobre tudo o que tinha acontecido nos últimos dias. A certeza de que dele dependiam algumas centenas de vidas atormentava-o. Atormentava-o ainda mais saber que cada uma dessas vidas era um ser inocente, no desconhecimento total da realidade que era a incerteza do futuro. Apesar de ter assegurado a todos, como era seu dever, que tudo agora estava bem e prosseguiam a bom ritmo na direcção de um novo planeta, a consciência de que ainda havia inúmeros perigos a ultrapassar, provocava-lhe um nó na garganta. E se não conseguisse? E se, por incompetência sua, aquelas vidas se perdessem?
Aquelas vidas era tudo o que restava do que fora, ainda há uns dias, a gloriosa raça humana. Agora, atacado e dizimado por seres alienígenas, todo o esplendor de todas as conquistas do homem se tinha perdido à velocidade de um fósforo. O holocausto tinha sido quase total e apenas uns poucos haviam sobrevivido. Mas o espírito tenaz do ser humano possibilitaria a fundação de uma colónia num ponto longínquo do universo e o ressurgimento da sua civilização grandiosa. O importante era não perder a audácia e a coragem! Cabia ao Capitão, e ele sabia-o, transmitir aos demais a confiança necessária ao bom sucesso da missão!
Bem no íntimo, no entanto, havia outra preocupação que perturbava o Capitão Ant. Só um homem nobre como ele se preocuparia assim com um assunto desta natureza, mas o Capitão era um homem nobre, daquela estirpe de homens que só existe para tornar um pouco melhor a humanidade. Por isso, amargurava-se perante a visão das mulheres da colónia que dependiam de si. Claro que havia mais homens sobreviventes, mas era por ele que todas se degladiavam. Era ele o mais apetecível aos olhos de todas. Amanda, a pobre loira inocente de 1,80m, que ainda na noite anterior tinha rondado insistentemente os seus aposentos; Gloria, a ruiva de fartíssimo busto que com ar suplicante lhe servia diariamente as refeições; Joana, a infeliz morena de longos cabelos que o secretariava e tantas, tantas outras na nave, tudo faziam por um pouco da sua atenção. Mas Capitão Ant estava consciente do delicado equilíbrio que vivia naquela fragilizada comunidade. Sabia que não podia dar atenção especial a nenhuma mulher e, por outro lado, também não as podia desprezar. O esforço que fazia então para agradar a todas sem que nenhuma suspeitasse não ser a preferida, desgastava-o e deixava-o cada dia mais exausto fisicamente. Mas a causa, essa, era nobre! Tinha que aguentar até ao limite!
Estava nestes pensamentos profundos quando uma voz atrás de si o agitou:
- Oh Antunes!
- S... s… sim… chefe…
- Os processos que lhe dei de manhã para levar ao director, já os levou ou não?
- Vai já já, chefe!
- Oh homem, então? Sempre na lua! Assim não pode ser!
Antunes arrastou-se carregando uma pilha de papéis e saiu do gabinete na sua típica cadência alternada, graças à perna esquerda que tinha teimado em crescer mais do que a direita.
- Oh pá! Que raio faz o Antunes sempre no mundo da lua a carregar nos botões da fotocopiadora desligada com aquele riso idiota na cara?
- Oh chefe, sei lá! Deve ser da miopia, com aqueles óculos de fundo de garrafa, sabe lá ele onde está a carregar!... Coitado...
- Pois... coitado...
- Ou então anda a ver muitos filmes!