março 31, 2006

6. Gilda, de Hipátia



A porta abre-se e entra uma fabulosa mulher de vestido longo, azul noite, luvas até ao cotovelo que escondem os alvos braços e cabelo comprido cor de cobre. Bate com força a porta da casa asséptica caiada de branco, com vontade de, dessa vez, construir um castelo.

Começa a encher o espaço de almofadas de penas. Espalha velas perfumadas, pinta no tecto estrelas. Escolhe um pau de incenso perfumado, talvez maçãs verdes, ou qualquer fruto. Semeia confeitos doces e coloridos, ou então pétalas de flores. Faz uma cama no chão. Põe a tocar uma música com guitarras e cítaras.

Depois pára de repente... A câmara pára com ela.

Eles vão para a cama com a Gilda, mas acordam comigo.

E então, depois de ter o cenário completo, a figura feminina começa a destrui-lo com o mesmo afinco com que o inventou.

Nada faz sentido!

O cabelo ruivo voa em todas as direcções, as luvas perdem-se por trás das almofadas, uma delas cai sobre uma das velas, chamuscando-se ligeiramente...

Tanta gente presa ao sonho projectado num écran branco, esquecendo-se que, por trás do sonho, está uma pessoa de carne e osso.

A câmara recomeça o percurso, aproximando-se mansamente do rosto agora em repouso, a fabulosa cabeleira a beijar-lhe as faces.

Há dias em que os minutos são horas e sinto a alma parada no tempo à espera não sei de que milagre para pedir licença para voltar a nascer.

E o plano começa a abrir-se, lentamente…

Há dias em que queria ser caracol, tartaruga, búzio, levar a casa às costas e poder fugir para um qualquer ventre e deixar o tempo passar. Esquecer a Gilda. Ser apenas eu.


The End



Escrito por Hipátia, Voz em Fuga