março 31, 2006

7. Uma Questão de Genes, de Joaquim Pavão

Saltou para a frente. Teve que ser. Impulso ou talvez não, lá o carteiro encarregado de convicção se dirigiu por aquele caminho. Acho que lhe “limparam o sarampo” passado pouco tempo. Não sei, tive medo de me reter em corpo e abandonei-me à saudável cobardia. Aquela que nos faz ficar velhos e com sorte pouco doentes. Ele ainda vivia ali. Vida morta, parece que se esqueceu de respirar. Família preta, mas de luto, porque tudo o resto é claro, excepto as manchas negras da velha. Produto da masculinidade do pai do defunto.

O raio do pupilo não entrega o livro e o irmão, meu de sangue, morto ainda fede no meu nariz. Enterrem-no, as larvas agradecem e a terra fecundará um fungo qualquer.

Sai o caixão. O tuberculoso vai cair. Filho da puta, carrega um caixão para o deixar cair. Que lhe foda a merda do pé!
Agora discutem, os irresponsáveis. O caixão devia ser caro, e o joelho a sair do buraco mostra a falta de calças. Aquecem o coração arrefecendo o resto.
Quatro tiros. Lá se foi o tuberculoso. Faltam três. Puxo do cigarro. Pedem-me ajuda para o caixão.

- Pai! Quero fazer xixi.

Raios do moço! Só conheci a vizinha gorda do sexto andar. E essa nem mãe podia ser. Rebentaram-lhe os ovários com um tiro perdido. Era para o amante, mas ela estava por cima. Nunca mais repetiu a posição não vá o diabo tecê-las.
Safo-me do caixão, mas carrego uma pila de genes desconhecidos.

Enterraram-no. Finalmente e levou companhia. Não é qualquer um que vai acompanhado. O caixão ia mal fechado mas o verão vai no pico. O de cima ia vestido com alguma ventilação. Mesmo tuberculoso aguentou as primeiras três a respirar. À quarta decidiu parar. Poupou o velho cão, de gastar mais uma.

- Pai, quero fazer xixi.

E dos mortos ninguém carrega a minha pila.



Joaquim Pavão (site)

... Uma continuação dos outros textos (ver blog). A lente torna-se um narrador e a mesma lente é uma personagem, bem ao gosto dos filmes de Bogart e afins. A linguagem é mais crua e simples, ao nível de Lisboa dos anos 76, das casas de fado, do Vilhena e afins.