16. O Escritor Famoso e os elos do passado, por Caiacaina
Levantei-me e dei passos à toa pelas veredas do jardim da minha infância. Voltei a olhar o baloiço e lentamente atravessei o jardim de todas as minhas recordações. Os meus passos ressoavam no saibro solto e por entre a folhagem da velha árvore, parecia-me ver os olhos de Helena a admirarem-me.
Em passos lentos dirigi-me à minha casa. Cruzei os arcos de pedra cansada pelos anos que seguravam as ogivas.
Entrei na sala e olhei os cadeirões forrados de tecido florido, onde minha mãe se sentava comigo, para conversas e às vezes reprimendas… Sentado naquele cadeirão à esquerda, perguntou-me minha mãe, com ar severo. o que havia estado a fazer com Helena, naquele dia em que nem percebi o quanto Helena significava…
Abri a janela. Olhei para fora e vi-me criança, de calções ainda, correndo para apanhar borboletas…
Atravessei o corredor e no meu quarto, apenas abri a janela, de onde vi a paisagem, que em nada mudou… Dei meia volta e fui sentar-me perto da varanda, com as vidraças abertas, respirando o ar fresco do arvoredo. Mas a imagem de uma Helena tão criança ainda, não deixava de saltitar na minha imaginação. Agora compreendo como sempre a amei… Helena! Helena!...Os olhos meigos e serenos de Helena, foram ao longo da minha vida, a doce companhia da minha filantropia.
Abri a última gaveta da estante de meu pai, onde minha mãe foi guardando os meus papéis, como costumava dizer, os velhos cadernos escolares e entre muitos desses papéis lá estavam uns quadradinhos de papel com desenhos de flores e o nome de Helena no meio…Depois da morte de meus pais, era a primeira vez que aqui estava, serenamente, para actualizar burocracias e para recordar a meninice que tantas saudades me deixava…Olhei de novo ao meu redor e tentei reviver todos os momentos, para me localizar nesse passado distante e idealizar como estaria Helena, que deixara de dar notícias desde tempos indeterminados…Passei horas e horas neste vai e vem, de divisão em divisão, e já à noitinha, o senhor Chico veio trazer-me uma sopa ainda a fumegar e um naco do bom chouriço de seu fabrico e umas fatias de pão, para aconchegar o estômago.Tagarela o bom velho Chico, que me conhecera miúdo, com poucos anos de diferença dele, pois que quando nasci a mãe dele trabalhava cá em casa e ele era muito criança…chegámos a chutar a bola nas traseiras, quando regressava da escola. Mas a tagarelice do bom Chico deu para me preencher as lacunas de memória e para me dar algumas novidades que desconhecia.Também tinha na mão um pacote de correspondência que havia junto, para me entregar, quando me voltasse a ver.Cartas! Uma infinidade delas, para meus pais. Publicidades e postais de amigos que haviam partido para o estrangeiro durante a minha ausência e de quem não ouvira mais nada… Mas! Surpresa, aquela carta pareceu-me estranha…de uma Helena Portier…para mim…Abri sofregamente, sem dar ouvidos ao Chico, que a sopa arrefecia, e comecei a ler. Helena! Minha doce Helena! A carta havia sido escrita há mais de três meses e participava o falecimento do marido, bem como a sua vinda à nossa terra, pois que voltava para expor as suas pinturas na capital.Beijei as faces do Chico, tisnadas pelo sol, e saltei, mesmo esquecendo que já me queixo muitas vezes de dores reumáticas… Helena ia voltar! E pelas datas, faltavam apenas dois dias para ter possibilidade de a rever… nem havia tempo de fazer projectos… mas ia voltar a ver Helena!
Caiacaina do Bis morgen
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