8. Recuo, por Sísifo
Na parte mais dramática do meu epitáfio há-de ficar descrita a voz de um tempo que me desafiou a perecer apenas com todas as fomes saciadas.
Aí, nesse pedaço pouco atento da gratidão, estarão também soletrados os passos que dei para deixar de sentir o que quer que fosse pela verdade.
Nada de perturbante.
Pedaços e mais pedaços é tudo o que se vai conseguindo sugerir como vida.
Regresso sempre aos mesmos lugares.
É isso mesmo o regresso: regressar onde já se regressou e voltar sempre.
Repetir com o mesmo método o mesmo erro até deixar de o ser.
Que é que faz de um lugar um lugar de regresso?
Que tem esta pedra cinzenta onde me sento e descanso que me faz voltar?
Que gravidade estranha há por aqui a fazer do meu movimento um elástico vai-vem?
Não, não me submeto.
Não quero ler de novo os mesmos livros nem beber de novo a mesma água.
Agora que o tempo me trouxe para um lugar impossível do universo, em que a mesma improbabilidade se refuta com qualquer gesto de segredo e de silêncio, vou permanecer no lugar que sou porque esse lugar sou eu.
Que estranha esta geografia.
Este globo a girar indiferente aos meus sonhos e à minha respiração.
Este sopro do vento que vem com o ímpeto próprio dos assassinos e submete as vontades ao capricho do acaso.
Talvez esteja escondido no fogo que já não crepita o tal anunciado milagre de conhecer.
Era só isso que eu queria: conhecer.
Quando saltava de pedra em pedra e procurava na folhagem um novo brilho capaz de surpresa, era apenas com essa ligeira intenção de perceber o que se passava, de ter um anúncio sensível do ser.
Sentir e compreender.
Só isso: sentir e compreender.
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