outubro 10, 2005

18. (sem título), por mfc

A noite estava fria e já ia alta. Sentei-me naquela poltrona junto à janela a olhar para a árvore, de que apenas se perscrutava o recorte escuro contra o mais escuro do céu. Não ousei acender a lareira e virei costas à estante, que sempre foi um aconchego. Via apenas a árvore negra na minha frente. O frio húmido entrava pela janela, mas precisava de estar ali a contemplá-la. Já a tinha visto mil vezes, mas não assim apenas recortada. Estavamos imóveis os dois, fixos um no outro. Fomos companhia recíproca desde há muito, se bem que ela fosse uma irmã mais velha e me tivesse ensinado como estar na vida... Dizia-me muitas vezes: "Olha para mim!"
Era o que fazia agora, como que a querer que mais uma vez me desse uma indicação, mas continuava imóvel, sabendo apenas que ali estava, já que a via recortada no escuro. Ela também me via, mas talvez não fosse o momento de falarmos. Continuei a fixá-la.
Começou a clarear. Então o negro do seu tronco tornou-se castanho e as folhas, que pareciam pedaços de carvão, tornaram-se a pouco e pouco verdes.
Já não me podia ignorar. Abanou suavemente, cumprimentando-me. Com aquele abanar suave deu-me o conselho que tanto esperava. Sorri-lhe dizendo que tinha entendido...
Tinha que transigir, sem abandonar os meus princípios.
Sorri-lhe mais uma vez e os seus ramos curvaram-se, reverentes.
Agora podia ir deitar-me. Já sabia o que fazer.