agosto 17, 2005

23. Helena, de Sísifo

São várias as maneiras de sentir a força da gravidade.
Todas elas vêm do mesmo lugar de onde vem desde sempre a vida.
Há um acordo secular, milenar talvez, que assegura a persistência de cada uma delas.

Se nos déssemos ao trabalho - se houvesse tempo para isso - de olhar para o modo sério como as crianças brincam, perceberíamos que essa vontade do autêntico se esgota logo a seguir.
Porque logo a seguir a gravidade passa a ser como o céu ou a noite: apenas o que tem que ser.

Olhar com atenção para o vento que leva o cabelo quando o nosso corpo é o pêndulo que faz o ritmo definitivo das sensações, deixa de ser possível sob a chuva de pedras da interpretação.

Venha então esse sonho, agora que já não o sei ler.
Cheguem aqui ao pé do gesto que já se perdeu.
Ouçam o que resta do riso, nesta clausura a que os deuses tudo condenaram.
Toquem ao de leve na poeira que se aconchega na ternura quente do corpo terra.

Não haja ilusões.
Estamos todos à espera.
À espera de outra coisa que não esta.
À espera que o rosto contorcido da autoridade nos diga outra vez que sim ou que não.
À espera de outra coisa que não as que já sabemos impossíveis.

É assim a memória da liberdade: fugaz e distorcida.
Como tudo o que já não é.

Mas estou sereno como Helena.
Pêndulo de Foucault de guarda à marca da mobilidade das coisas paradas.


Sísifo