agosto 08, 2005

19. Memórias de um génio, de Joaquim Pavão

Traquejo é o que possuo. É um inútil quem to diz. Mas ele? Nem pena já usa; botão branco ainda sujo. Corre num funil, a mula de duas palas. Acaba o que faz e fuma um cigarro. Consumação frustrada. A cada baforada sente o enjoo. Quer mais. Sentia-lo querendo mais. Como Enxofre que se agarra ao casaco, afastava-lo aos poucos, mas a gravidade devolve-me restos. –“O cão gordo da vizinha ia te adorar”.

Traquejo meu velho, traquejo do duro. Sinto-te angustiado. Não estavas à espera? Ajudaste-me e compensei-te. Do que tens no bolso não levo uma migalha. Os vermes limparão os ossos mas não gastarão nada, meu Iscariotes. Fundo, bem fundo. Quero-te mais fundo ainda. Quero que respires a cada milímetro que desças. Não te preocupes. Eu tapo-te bem. Uso a tua terra. Como estrume por cima da terra, o teu cheiro inunda-me sempre que o vento muda. –“As sementes suspirarão por ti”.

-“Boas tardes. Como vai o meu editor do peito? Como sempre te digo, consegui. Mais um. Sinto que este vai ser muito melhor. Mais um ponto de viragem na minha escrita (…) ”

Tiro a capa e coloco outra. Assino em voz alta –“Apurando o génio por (…) ”. Preciso de um cigarro. Oiço tocar na porta. Pelo bater é mais um. Conheço o som da ambição, da ilusão. –“Entra (…) ”. A baforada some-se e quase sinto que os joelhos deste vão bater no chão. –“Ensinar-te, pedes-me tu”.

Traquejo, é o que é preciso para escrever. Aprender comigo? Aqui tens uma resma, mais outra quando acabares essa, logo a seguir outra. –“Traquejo, meu velho…”


Joaquim Pavão