agosto 08, 2005

16. Máquina do tempo, de Maria

Chamavam-nos “Caixas de Óculos” e outros nomes jocosos e gozavam-nos pelas palavras espartilhadas pelos aparelhos dentários. Riam-se a bandeiras despregadas com as piadas-pedradas que nos atiravam. Depois os que riam passaram a chamar-nos namorados. Às vezes atiravam-nos uma pedra que nunca acertava e fugiam. Começámos a sair da escola durante o intervalo grande, que era de trinta minutos, acho eu, e desfrutávamos o facto de àquela hora o baloiço do parque estar sempre livre. Às vezes a meia hora passava a uma, ou mais, até que a professora chamou os nossos pais por mau comportamento. O que é que eu andava a fazer com a Helena, perguntou-me a minha mãe à noite. Andamos de baloiço, respondi.

E o baloiço oscila ao vento, enquanto espera por ti. Enquanto espero por ti. Encerraram-me numa academia militar por causa do mau aproveitamento, porque só queria escrever histórias para ti e a nota de Português era a única que destoava naquela lista de negativas. Como me arrepiava quando tu me pedias, meio a sério meio a brincar: “Conta-me uma história!”. Passava os tempos livres ( e a maior parte das aulas) a inventá-las para ti, a viver antecipadamente o momento da narrativa e a fazer filmes contigo como protagonista.
Era o teu riso, era o teu riso quando andavas de baloiço, que me contagiava. E ríamos, ríamos como loucos, sem qualquer razão, e esse era o nosso escudo contra quem se ria de nós. Depois, quando finalmente vim de férias da academia militar, já não moravas nesta cidade e nunca mais foste passar férias a Tróia, onde admirámos mutuamente, pela primeira vez, as nossas lentes garrafais e os nossos “arames farpados”. Minha troiana...Já deves ter entretanto descoberto que adaptei para ti a história de outra Helena. Talvez tenha ficado beliscado o meu encanto de narrador, mas nota, talvez ela tenha sido a mulher mais linda da História, mas se não risse como tu eu nunca a convidaria para andar de baloiço!

E o baloiço oscila ao vento, enquanto espera por ti. Enquanto espero por ti. Porque a primeira coisa que eu quero saber é se ainda gostas de andar de baloiço e se ris como dantes. Se sim, tenho um monte de histórias mais para te contar, na primeira pessoa, se não, podes lê-las do mesmo modo por aí, em qualquer livro que publiquei, mas nunca saberás que foste a musa de todas e cada uma delas. Minha troiana, os baloiços já são outros, mas espero que sejas a mesma. Pelo menos, quando te perguntei ao telefone onde nos podíamos encontrar, foi logo este Parque que sugeriste. Eu só sorri, mas na minha alma ecoou uma gargalhada que se transformou em máquina do tempo. E eu estou aqui, baloiçando nas memórias, à tua espera.


P.S. Não sei se poupei trabalho ou se dei mais trabalho. De qualquer forma cá está! espero que tenham muito mais contribuições. Maria
Estórias do Bicho da Seda