agosto 11, 2005

20. Conta-me...., de Hipatia


(...) Depois os que riam passaram a chamar-nos namorados. Às vezes atiravam-nos uma pedra que nunca acertava e fugiam. Começámos a sair da escola durante o intervalo grande, que era de trinta minutos, acho eu, e desfrutávamos o facto de àquela hora o baloiço do parque estar sempre livre. Às vezes a meia hora passava a uma, ou mais, até que a professora chamou os nossos pais por mau comportamento. O que é que eu andava a fazer com a Helena, perguntou-me a minha mãe à noite. Andamos de baloiço, respondi. (...)



E agora que envelheci, meu amor,

Conta-me!

Conta-me o que se calou ainda.

Conta-me a memória, os sorrisos, a doçura.

Põe a música certa a tocar e conta-me:

Conta-me o sentido, o racionalizado,

Conta-me das histórias que escreveste,

Como foram os equilibrismos da vida.

Faz-me um desenho, uma pintura.

Diz-me como estava o céu,

Como brilhavam as estrelas,

Como já se ia embora Vénus

E a aurora raiava o negro de rosas e amarelos.

Diz-me como foi o dia,

O dia de ontem,

O dia de hoje,

O dia em que brincávamos no baloiço.

Aquece-me daquele mesmo sol.

Conta-me das metamorfoses, dos crescimentos,

Dos pés já doridos, dos sonhos acordados.

Conta-me!

Não esqueças nem um pormenor,

Um pensamento, um fio.

Conta-me...

Preenche cada espaço, soletra cada letra.

Não te enganes nos ondes,

Nos quandos, nos porquês.

Mas conta-me!




Recorda, agora, Escritor.

Conta à tua Helena tudo o que ela já começa a esquecer.





Hipatia

Voz em Fuga