20. Conta-me...., de Hipatia
E agora que envelheci, meu amor,
Conta-me!
Conta-me o que se calou ainda.
Conta-me a memória, os sorrisos, a doçura.
Põe a música certa a tocar e conta-me:
Conta-me o sentido, o racionalizado,
Conta-me das histórias que escreveste,
Como foram os equilibrismos da vida.
Faz-me um desenho, uma pintura.
Diz-me como estava o céu,
Como brilhavam as estrelas,
Como já se ia embora Vénus
E a aurora raiava o negro de rosas e amarelos.
Diz-me como foi o dia,
O dia de ontem,
O dia de hoje,
O dia em que brincávamos no baloiço.
Aquece-me daquele mesmo sol.
Conta-me das metamorfoses, dos crescimentos,
Dos pés já doridos, dos sonhos acordados.
Conta-me!
Não esqueças nem um pormenor,
Um pensamento, um fio.
Conta-me...
Preenche cada espaço, soletra cada letra.
Não te enganes nos ondes,
Nos quandos, nos porquês.
Mas conta-me!
Recorda, agora, Escritor.
Conta à tua Helena tudo o que ela já começa a esquecer.
Hipatia
Voz em Fuga
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