agosto 18, 2005

24. Prólogo a Helena, de Prólogo

Na prosa que eu tinha intenção de escrever acerca de Helena iria constar um instante, demasiado curto mas intenso, em que me perguntou se sabia de uma maneira simples de chegar ao céu. Ter-lhe-ei dito que não sabia, mas deveria haver um processo metódico e racional em que, com tempo suficiente e recursos adequados, se poderia fazê-lo.
Antes de tudo falamos daquilo que não sabemos. Explicamos com todas as letras o desconhecido, damos o nome às coisas que não existem e fazemos disso uma boa ocasião para parecer que nos parecemos com alguma coisa. Não fosse isso a vida e pareceria dramático.
Nessa altura, porque foi há muito tempo, as palavras ainda não eram as de hoje mas já contavam histórias impossíveis e verosímeis juntamente com outras em que os números substituíam, com vantagem, a argumentação e a fantasia.
Há sempre alguma injustiça nas palavras, as que são como pedras arremessadas com ódio e as que são pedras deixadas cair como se fossem palavras sujeitas à gravidade das massas imensas, pedras no rim torcendo o corpo incompetente para se regular e irregular na função de se ler a si próprio e voltar de novo às palavras que inventou.
O que me atraiu a mim e a Helena ao baloiço livre do intervalo das deduções e que eu tinha intenção de escrever para assim escrever a fama que vem de longe, do ponto mais alto a que o impulso combinado dos pés e do sonho leva o corpo; o que nos atraiu na força natural que atrai os corpos para as suas proximidades menos evidentes foi, provavelmente, o magnetismo do ferro igual que nos circula nas veias.
No texto que eu tinha intenção de escrever acerca de Helena e de mim e das coisas menos comuns que aproximam os afectos iria falar da nossa surpresa quando os nossos pais foram chamados à escola por causa das nossas destemidas ausências no parque. As nossas mães eram duas mas o pai era só um...

Prólogo