agosto 23, 2005

26. Matei-te com o meu passado, de Japinho

Tu dormes. Enquanto tento encontrar explicação para o passado percorro-te com os olhos. És mesmo tu Helena. Tudo se confunde, pedaços da minha vida estão agarrados a ti, até na tua ausência consegui colar histórias nos teus olhos.
Como te amei num amor sem projecto.
Ver-te aí a dormir liberta-me. Para trás ficam memórias dolorosas que se matam, ver-te assim, deitada na areia, cabelos espalhados com o sabor do vento é bom para mim.
Como fui ingénuo, como acreditei nos teus olhares. Quando respondi à minha mãe, andamos de baloiço, não lhe disse o mais importante, já te amava.
Estar contigo era ser feliz e eu queria ser feliz. Contava as horas os minutos os segundos que nos separavam. E agora tu dormes, como se o passado, o meu passado, não tivesse existido.
Entendo que os teus olhares me estimulavam, libertavam em mim rios de amor onde as margens eram, caso a caso, os meus sonhos contigo. Só mais tarde entendi que não podia ser o teu amado, agora sei que não consegues amar ninguém. Com os mesmos olhos que me davam chama queimavas quem te desejasse. À tua volta desejo, será ainda hoje assim? Alimentavas paixão, giravam apaixonados e apaixonadas a quem nunca disseste, não vos quero.
Davas-te com um olhar ou uma frase cheia de segundas intenções e saías com um silêncio inesperado. Quando te perguntava, porque fazes isso? Porque queres ser fonte de desejo? Respondias, não faço nada disso, não tem mal nenhum.
Lembro-me da senhora da livraria, que te sorvia com os olhos, como ela te acariciava com palavras, como se deliciava com o teu jeito de não dizer sim nem não, tu com os teus olhos incendiavas-lhe a paixão. Como me magoavas, alimentavas a minha insegurança que ia crescendo sem eu saber porquê, eras feliz comigo? Serias? Bastava-te o meu amor? Agora sei que não.
Precisas de te sentir desejada, precisas que te amem que te envolvam em teias de paixão. Tu és o assédio.
Demorei anos até te ver outra vez, para te matar. Agora sim mato-te rapidamente, que a tua morte dói-me. Mato-te com os meus olhos enquanto dormes na praia junto ao paredão. Uma a uma as minhas dores vão sendo apagadas. Vejo-te linda. Vais morrendo e as minhas dores desaparecem.
Amo-te outra vez como no primeiro dia em que junto do baloiço te olhei e disse, gosto de ti Helena.
Agora sim, morreste. Matei-te com o meu passado.
Vejo-te aí deitada enquanto o teu peito se enche de vida ao respirar.
Caminho devagar com as ondas a baterem-me nas pernas, depois na barriga, agora no peito. Que mais posso esperar da vida se, assassino eu, te matei meu amor. A Helena morreu, fui eu com o meu olhar. Sigo em frente para o oceano, nada mais vai poder redimir-me da tua morte. Vou só sem o teu amor.
Ainda ouço uma voz vinda da areia que parece ser a tua Helena, mas não, não podes ser tu.
O mar é azul e bonito para morrer.

Japinho